quarta-feira, 28 de abril de 2010

A "Arte Nova" e o Plano de Urbanização

Com a reconstrução da cidade da Horta após o sismo de 1926, a imagem tradicional desta cidade foi bastante alterada. Até então, conforme relatado por diversos autores, a cidade da Horta era uma cidade decorada a branco e cinzento, cores tradicionais da arquitectura popular devido às cores naturais dos materiais utilizados, a cal e o basalto. Naturalmente, nem todas as casas tinham as molduras, socos e cunhais em pedra à vista, sendo que, nas situações em que estes elementos eram em argamassa, os mesmos eram pintados a cinza escuro, de forma a combinar com os elementos de basalto das edificações mais nobres. As excepções eram, naturalmente, as construções edificadas por pessoas “de fora”, como foi o caso dos D'Abney. O sismo de 1926, tal como as diversas catástrofes que aconteceram ao longo da História, trouxe destruição, mas também uma oportunidade de renovação. Curiosamente vivia-se na Europa um período riquíssimo das artes decorativas, ao qual a arquitectura não ficou imune, surgindo assim um estilo arquitectónico que, apesar de ter diferentes denominações nos diversos países onde surgiu (Holanda, França, Bélgica, Inglaterra, etc.), ficou internacionalmente conhecido pelo nome “Arte Nova”.

Rapidamente surgiram os grandes edifícios multiresidenciais em locais privilegiados (gavetos ou junto a espaços públicos), fortemente decorados e destacando-se das demais construções. Grande parte destes edifícios continua a existir e, felizmente, a maioria está bastante preservada, existindo apenas um, ou dois, que necessitam urgentemente de intervenção.

Os habitantes da Horta não ficaram indiferentes a esta nova vaga de cor, de formas e de casas luminosas e rapidamente adoptaram muitas das características desta novas edificações, nomeadamente nas dimensões dos vãos, no formato das molduras, nos varandins, nas platibandas, etc. Houve até quem tenha adaptado as suas casas a esta linguagem com o mínimo de intervenção, recorrendo a soluções tão simples como pintar a fachada com tons claros de verde, rosa, amarelo ou azul, e as molduras, socos e cunhais de branco. Pouco a pouco, a cidade da Horta foi-se alegrando, tornando-se colorida, ganhando a imagem de uma cidade com uma linguagem contemporânea, mesmo com construções de cariz tradicional.

Infelizmente, parte dessa riqueza cromática perdeu-se no último quartel do séc. XX, em parte devido à implementação de um artigo no regulamento municipal, durante os anos 80, que incentivou um regresso à imagem de uma cidade pintada a cinzento e branco.

No entanto, ainda estamos a tempo de recuperar a imagem “Arte Nova” que caracterizou a cidade após o sismo de 1926, ou, pensando melhor, talvez não. E porque não?

Consideremos as características gerais das edificações tradicionais que tentaram adaptar-se à imagem tipo “Arte Nova”: fachadas de cores claras, vãos verticais e molduras, socos e cunhais pintados a branco. De acordo com o Regulamento do Plano de Urbanização (versão revista), as cores permitidas para as molduras, cunhais e socos em argamassa são o cinzento e o preto, invalidando completamente a imagem “Arte Nova” de qualquer intervenção que não esteja já com estes elementos pintados a branco. Espero apenas que a sensibilidade e o bom senso dos serviços municipais prevejam alguma “abertura” para situações em que é essencial para a imagem de rua que novas intervenções tenham elementos decorativos pintados a branco, porque a aplicação integral deste ponto, que parece tão insignificante, poderá agravar ainda mais a perda da identidade “Arte Nova” do centro da cidade da Horta.

Para terminar, gostaria de deixar bem claro que não tenho nada contra as molduras e cunhais pintadas a cinzento, apenas contra a sua obrigatoriedade, injustificada, na minha opinião.

Nota: este post foi publicado na edição nº 37 do jornal FAZENDO.