quinta-feira, 11 de abril de 2013

Sobre ciclovias e outras histórias

Quando se fala em ciclovias a primeira imagem que surge na cabeça da maior parte das pessoas é uma faixa de cor vermelha paralela a uma faixa de circulação automóvel onde as bicicletas podem andar e de onde não devem sair. As ciclovias têm de facto como principal função separar dois tipos de transporte com características muito diferentes quer em termos de massa, quer em termos de velocidade. Numa situação de tensão entre automóvel e bicicleta é fácil adivinhar quem sofre as piores consequências. Esta foi a principal razão para a criação de ciclovias durante os anos 70 do século passado. Ou seja, as ciclovias foram criadas para permitir aos utilizadores de bicicleta terem um espaço de circulação livre de automóveis, não sendo no entanto obrigatório o seu uso por parte daqueles. Ao ser criado um espaço de circulação exclusivamente para utilizadores da bicicleta está-se a dizer que os mesmos são importantes e que merecem uma especial atenção.
Naturalmente, existem situações diversas de circulação e urbanísticas, que exigem abordagens diferentes no que diz respeito à prioratização de circulação de bicicletas. Nos próximos parágrafos iremos abordar os principais tipos de ciclovias.

Tipo I: Circulação partilhada – Este tipo de solução é internacionalmente conhecida como “sharrows”, palavra que resulta da contração de “shared rows” e que significa literalmente faixa partilhada. Poderíamos pensar que este tipo é o que existe em todas as estradas sem ciclovias, como é o caso das ruas da cidade da Horta. No entanto, apesar de existir uma partilha da faixa de circulação entre bicicletas e veículos motorizados e, como, tal não existir uma ciclovia típica, as “sharrows” são na realidade ciclovias onde os veículos motorizados podem circular sob determinadas circunstâncias. Ou seja, são geralmente ruas estreitas, onde não existe espaço ou necessidade de haver separação dos dois tipos de circulação, mas onde os veículos motorizados têm de circular a velocidades baixas, não devendo ultrapassar a velocidade de circulação das bicicletas. Nas “sharrows”, as formas de mobilidade suave (bicicletas, peões, etc.) são preponderantes e os condutores têm de circular de forma extremamente cautelosa. As “sharrows” são utilizadas principalmente em partes antigas de cidades ou em zonas residenciais, ou seja, em artérias que não funcionem como elementos de ligação entre diferentes pontos da cidade.

Tipo II: Ciclovia pintada – É o tipo mais comum e de construção menos dispendiosa. A ciclovia pintada é usada principalmente em artérias de distribuição e ligação com movimento reduzido ou moderado, onde a circulação automóvel se faz com velocidade reduzida (ou seja, inferior a 30km/h). A ciclovia pintada é geralmente uma solução de adaptação de situações de circulação existentes nas quais existe uma redução da prioratização da circulação automóvel, nomeadamente através da remoção de faixas de circulação ou de estacionamento, de forma a permitir a criação de uma faixa para bicicletas com uma largura entre 1m e 1,5m para cada sentido de circulação, com as bicicletas e os veículos motorizados a circular no mesmo sentido. À parte a marcação no pavimento, não existem mais formas de separação dos dois tipos de circulação.

Tipo III: Ciclovia fisicamente separada – O ex-libris das ciclovias é igualmente o mais honoroso de todos os tipos de adaptação de ciclovias a vias de circulação existentes. É utilizada principalmente em artérias com grande tráfego, ou de circulação automóvel de velocidade moderada a elevada. Sendo a forma mais segura e eficaz de protecção dos utilizadores de bicicleta, é igualmente a solução indicada para novas vias de circulação. As ciclovias que atravessam parques urbanos são particularmente eficazes como vias de ligação, uma vez que permitem vencer grandes distâncias sem a existência de cruzamentos ou outro tipo de intersecções que interrompam a normal circulação de veículos, proporcionando ao mesmo tempo uma fuga aos ambientes agressivos das cidades, sejam eles visuais, sonoros, olfactivos ou ambientais.

Posto isto, coloca-se a seguinte questão: Quais os tipos de ciclovias mais indicados para a cidade da Horta?
Dadas as características da circulação automóvel na cidade, de reduzido volume de tráfego automóvel, e devido à ausencia de necessidade de circulação automóvel a velocidades moderadas a elevadas, as duas primeiras opções são as mais correctas.
Ou seja, nas principais vias de comunicação, como por exemplo a estrada regional entre a rotunda da Feteira e o novo cais, incluindo a Rua do Peter e Av. 25 de Abril, poderiam ser feitas ciclovias pintadas (mas não a vermelho, por diversas razões que poderei explicar noutra altura), enquanto no resto da cidade a solução de circulação partilhada (“sharrows”) poderá ser facilmente aplicada e com grandes benefícios para peões e urbanitas.
Naturalmente que estas soluções só são possíveis através da redução da preponderância do automóvel, situação que geralmente encontra algumas barreiras nas mentes mais conservadoras. Curiosamente, estas soluções são as menos honorosas de realizar, sendo que a maior dificuldade será na mudança de mentalidades, mas essa é outra história...

sexta-feira, 11 de maio de 2012

I cycle in horta

 “I cycle in horta” é um grupo de discussão e promoção da bicicleta como veículo de mobilidade urbana. É um grupo aberto com existência virtual e real. A sua presença virtual faz-se através do facebook (procurando I cycle in horta), página a que qualquer utilizador do facebook pode aderir e qualquer pessoa pode consultar e na qual são publicados vídeos, fotos e artigos relacionados com a cultura da bicicleta. Fora da world wide web este grupo promove acções de sensibilização de entidades oficiais e público em geral para as vantagens e mudanças necessárias para utilizar a bicicleta como meio de transporte nesta bela cidade. Entre as iniciativas deste grupo recém-nascido encontra-se uma reunião com o responsável máximo do poder local, na qual foram sugeridas diversas propostas para melhorar as condições de utilização dos meios suaves de mobilidade (pedonal e bicicleta). Outra iniciativa foi o “1º bic-nic horta” que teve lugar no parque de merendas do porto da Feteira, para o qual se propôs que os participantes se fizessem deslocar de bicicleta. Esta iniciativa será para repetir todos os meses, em locais diferentes, de forma a eliminar alguns mitos existentes sobre a dificuldade de utilizar a bicicleta como meio de transporte na cidade.
É precisamente sobre esses mitos, e o desmontá-los, que os próximos parágrafos se vão debruçar:
Mito nº 1- Condições climatéricas adversas: Quem ouvir as previsões meteorológicas dos media nacionais fica com a sensação que nestas ilhas atlânticas está sempre a chover e que os açorianos nunca viram o sol. Quem cá vive sabe que isso não é verdade. Todos nós sabemos que de facto chove bastante mas não de forma permanente. Quem anda a pé ou de bicicleta já se apercebeu que existem dois tipos de precipitação mais comuns, os aguaceiros, que às vezes são bastante fortes mas geralmente de curta duração, e a chuva miudinha e persistente. Quando está de aguaceiros tudo o que temos de fazer é esperar que passe, algo que teremos sempre de fazer mesmo quando nos deslocamos de carro. Quando está chuva miudinha o tempo de deslocação numa bicicleta é tão curto que não chegamos a ficar molhados, principalmente se tivermos em conta que podemos ir de porta a porta com este meio de transporte. No que diz respeito ao clima, pessoalmente considero que a situação mais adversa é o vento fresco a forte frontal, que torna a deslocação mais difícil. No entanto, esta situação é facilmente minimizada com uma bicicleta com mudanças e uma boa escolha de percurso (o interior da cidade é menos ventoso que a frente marítima). Em Copenhaga e Amsterdão as condições climatéricas são francamente mais adversas do que aqui e cerca de 80% dos utilizadores de bicicleta continuam a fazê-lo no Inverno, apesar das temperaturas negativas e das estradas com neve.
Mito nº 2- A cidade é demasiado íngreme: Cerca de 80% a 85% do comércio e serviços da cidade encontra-se na parte baixa da mesma, sendo totalmente acessível com qualquer tipo de bicicleta. Para as ligações entre as zonas residenciais a cotas intermédias (hospital, ALRAA, novo DOP) e as áreas comerciais, as mesmas são possíveis com uma boa bicicleta com mudanças e com uma boa escolha de percursos (um percurso mais longo e menos íngreme é mais acessível do que um percurso mais directo que tenha uma subida mais acentuada). Para a ligação das zonas residenciais a cotas mais altas (Belavista e Dutras) com a cidade, a mesma é possível com uma bicicleta eléctrica, que dá um apoio nos troços mais difíceis. Cidades como Lisboa, Porto ou São Francisco são mais íngremes do que a Horta e o número de utilizadores de bicicleta nestas cidades está a aumentar diariamente.
Mito nº 3- Condições de circulação adversas: As estradas tipo calçada não são as mais indicadas para a circulação de bicicletas, sendo os pavimentos em asfalto muito mais confortáveis. No entanto, este problema pode ser minimizado com uma boa bicicleta, que tenha um sistema de amortecedores na roda da frente e um selim que seja confortável e com amortecedores. Uma bicicleta com amortecedores na roda traseira também pode ajudar. Mais grave é a falta de ciclovias, estacionamento e condições de segurança e facilidade de circulação. Contudo, só será possível melhorar as mesmas através da sensibilização dos governantes locais e regionais. Naturalmente, quanto mais pessoas exigirem melhores condições de mobilidade suave, maior a sensibilidade das entidades para ir ao encontro dessas exigências.
Mito nº 4- Vestuário: Não há nada mais assustador do que ver alguém andar de bicicleta de forma descontraída na marginal totalmente equipado para fazer BTT. Não me interpretem mal, não tenho nada contra os equipamentos de BTT, os mesmos são práticos e úteis no seu verdadeiro contexto, mas tão desadequados à utilização urbana como o equipamento de um piloto de rally para o cidadão comum andar de carro na cidade. Uma bicicleta adequada, com guarda-lamas, protecção de corrente, protecção de saias (nas bicicletas de senhora), etc. permite que nos desloquemos com a roupa do dia a dia. Este é um mito tão enraizado na sociedade contemporânea que surgiu um movimento global para mostrar que andar de bicicleta não é incompatível com a utilização de roupa quotidiana. Esse movimento chama-se Cycle Chic e surgiu há mais de cinco anos na Dinamarca através do “Copenhagen Cycle Chic” (http://www.copenhagencyclechic.com/), tendo-se alastrado a outras cidades do mundo incluindo Lisboa e Porto.
Como podemos observar, existe algo essencial para que seja possível utilizar a bicicleta como meio de transporte urbano, e que é: uma boa bicicleta. Uma experiência desagradável numa bicicleta desadequada é suficiente para quebrar o ânimo de utilizadores menos motivados. Existem diversos tipos de bicicleta sendo que, para uma utilização mais urbana, uma bicicleta de cidade é mais indicada do que uma bicicleta de montanha (BTT) ou de estrada (ciclismo). É importante lembrar que uma utilização urbana da bicicleta é muito diferente de uma utilização fora de estrada, e que uma bicicleta que permita uma posição mais vertical do tronco oferece uma melhor visibilidade do que nos rodeia, alivia a pressão nos pulsos e dá mais conforto na zona dos rins. Na hora de comprar, vale a pena perder algum tempo a analisar diversos modelos, tendo sempre presente as necessidades pessoais, tais como o tamanho do quadro, tipo de selim, tipo de guiador, tipo de sistema de travões e de mudanças, acessórios, etc. Na página “I cycle in horta” não faltam alternativas e sugestões para encontrar a bicicleta certa.
A todos os que queiram juntar-se-nos, sejam bem-vindos...

nota: Este artigo foi publicado na edição 74 do jornal cultural FAZENDO.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Horta: a cidade dos automóveis

Na última edição do FAZENDO foram apresentadas quatro cidades onde a utilização do automóvel deixou de ser prioritária e em que outras formas de mobilidade ganharam mais protagonismo, sendo a bicicleta um dos meios de transporte mais populares nas referidas cidades. Tal como então referi, as principais causas para essa mudança foram os problemas relacionados com o excesso de tráfego automóvel, nomeadamente o congestionamento, a falta de estacionamento, e um elevado número de acidentes graves.

Na Horta não existem estes problemas, uma vez que acidentes graves no centro da cidade são praticamente inexistentes, raramente é necessário estacionar a mais de 500m do local onde queremos ir, e não existe qualquer condicionamento à circulação automóvel. Qualquer condutor poderá ir a qualquer ponto da cidade a qualquer hora e sem ter de se preocupar com o tempo que demora a chegar, porque simplesmente não há congestionamentos ou “horas de ponta”. O que nos leva a colocar esta questão: se não há problemas de trânsito, porque é que se deve mudar alguma coisa? A razão é óbvia e prende-se com o facto de esta facilidade de mobilidade por parte dos automóveis ser feita à custa da dificuldade das restantes formas de mobilidade.

Qualquer peão conhece as dificuldades de circular a pé na cidade e consegue facilmente imaginar o quão difícil deve ser a deslocação diária por parte de pessoas idosas, pessoas com mobilidade condicionada, pessoas com carrinhos de bebé ou com uma criança pela mão. Não é por acaso que o mercado e o hipermercado são dos poucos sítios em que as pessoas param para conversar com alguém que encontrem ocasionalmente, enquanto fazem as suas compras. Nesses locais podem parar descontraidamente sem correr o risco de serem atropeladas e sem causar problemas de circulação às outras pessoas devido à exiguidade dos passeios. É esse ambiente que se deseja no interior das cidades, locais para os cidadãos se poderem encontrar, parar, conversar.

É por esta razão que diversas ruas da Horta deveriam ter acesso automóvel condicionado, sendo possível circular apenas veículos autorizados (moradores, taxis, camiões do lixo, veículos prioritários, etc). A primazia do automóvel nas políticas de mobilidade na cidade da Horta foi levada a pontos extremos, estando patente nas diversas ruas em que existe estacionamento automóvel em vez de passeios (Rua Nova, Rua de São Paulo, Rua de São João, Rua de Jesus, só para citar algumas), e obrigando os peões a circularem em estado de alerta e a recolherem-se entre os carros estacionados de cada vez que passa outro veículo. A solução passa pela interdição de estacionamento nas ruas sem passeios, ou em que os mesmos sejam estreitos (menos 1,5m de largura), de forma criar condições de circulação pedonal com segurança.

Naturalmente que esta solução diminuirá a actual facilidade de estacionamento mas, em contrapartida, resolverá os problemas de mobilidade individual dos cidadãos, mobilidade essa que, ao contrário do estacionamento automóvel particular, é um direito previsto na lei (Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto).

Em Curitiba e Bogotá a mudança foi feita por políticos com visão. Em Amsterdão e Copenhaga a mudança foi feita por exigência dos cidadãos. E na Horta, como será?

(Este artigo foi publicado na edição nº 73 do FAZENDO. Ilustração de Tomás Silva)