Foi recentemente criada pelo Governo (da República) uma lei para a área da habitação que visa promover a reabilitação urbana em detrimento das construções novas, à qual foi dado o óbvio nome de Regime Jurídico de Reabilitação Urbana.
O próprio Plano de Urbanização da Horta, que tarda em entrar em vigor, estimula a reabilitação em vez de construções novas. Espero que os arquitectos que futuramente irão actuar nas intervenções dentro da área abrangida pelo Plano de Urbanização sejam sensíveis a esta forma de intervenção e não caiam na tentação do facilitismo da erradicação dos edifícios existentes de forma a poder fazer um projecto de raíz sem constrangimentos.
Mas, e os restantes agentes estarão preparados para esta realidade?
Vejamos:
Dono de Obra: muitas vezes os edifícios existentes são anteriores à entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), ou seja 1951, e como tal os compartimentos, organização e condições existentes nem sempre são adaptáveis às exigências contemporâneas, tais como quartos com áreas superiores a 15m2, salas com mais de 30m2, grandes vãos, etc. Naturalmente quando, por mais voltas que se dê, não é possível "meter o Rossio na Betesga", devido à existência de constrangimentos de ordem estrutural ou arquitectónica, a vontade é deitar abaixo e fazer de novo de forma a eliminar esses constrangimentos. Tal no entanto significa um ganho pessoal mas uma perda social e cultural porque se está a destruir história e, por vezes, arte.
Projectistas de estabilidade: Imaginemos que existe vontade por parte dos projectistas de arquitectura e dos donos de obra em preservar o existente prevendo-se como tal a sua reabilitação. Por vezes esta vontade esbarra contra a desconfiança do projectista de estabilidade, muitas vezes porque é mais simples calcular uma estrutura nova do que tentar conciliar uma estrutura nova com as condições estruturais existentes. Geralmente esses projectistas alegam falta de condições estruturais do existente para justificar a sua demolição. Infelizmente nem sempre é verdade que não existam condições de segurança das construções existentes. O que existe é alguma falta de ética por parte desses projectistas, que felizmente creio que são poucos.
Empreiteiros: Por vezes chega-se à fase de obra com todos os intervenientes a actuar no sentido de reabilitar e eis que entra o Empreiteiro. Devido ao "boom" da construção nova são muito poucos os empreiteiros que estão preparados para uma intervenção de reabilitação preferindo, como tal, uma intervenção do tipo construção nova. Por vezes tentam convencer o dono de obra a demolir o existente e fazer tudo de novo, geralmente com o argumento da redução de custos, algo a que todos somos sensíveis.
É por estas razões que muitas vezes são demolidas construções existentes e feitas novas construções, mesmo quando se mantém a imagem do existente. Enquanto projectista de arquitectura já me sucederam situações semelhantes, principalmente devido às questões relacionadas com projectistas de estabilidade e empreiteiros.
Resumindo, reabilitar é difícil, constringe o projectista de arquitectura, constringe as exigências do dono de obra, obriga a um maior trabalho e rigor do projectista de estabilidade e um maior cuidado e profissionalismo por parte do Empreiteiro. No entanto existem muitas outras razões para ser preferível à solução de construção nova destacando as razões patrimoniais, culturais e ambientais. Pessoalmente, enquanto projectista, tenho muito mais interesse em trabalhos de reabilitação do que de construções novas mas tenho consciencia que é umas dôr de cabeça maior mas que, quando todos os intervenientes colaboram, é altamente compensador reabilitar uma construção existente.
É extremamente importante que os diversos organismos que regulam o sector da construção, câmaras municipais, governo, ordens e associações profissionais, etc, exerçam acções de sensibilização dos agentes e população em geral para a importância da reabilitação e porque é que esta devia ser a prioridade na renovação do parque habitacional.